Saturday, September 16, 2006

Domingo de Ramos

A movimentação era grande naquela tarde na Igreja Coração Imaculado de Maria, popularmente conhecida de Igreja da Redentora, pelo nome do bairro de classe média-alta de São José do Rio Preto, interior paulista.

Era domingo, e junto com Cristiana, dezessete bebês seriam batizados. O número coincidia com os dezoito quadros da atípica via sacra que ilustravam as paredes da nave principal.
A igreja estava cheia, o domingo era de Ramos, e a data tradicionalmente atraía mais pessoas que a frequência normal à qual o Padre Francisco estava acostumado.

O fato se repetia em todas as dioceses, e os sacerdotes nunca admitiam em público, mas intimamente suspeitavam que esta atração se dava mais pelo lúdico de se carregar pequenos ramos de palmeira do que pela lembrança da entrada de Jesus em Jerusalém.

De uma forma ou de outra, para Padre Chico se tratava de um dia muito especial, tratava-se da
primeira data importante desde que a série de quadros da Paixão de Cristo de seu amigo Zé Antônio, caboclo que agora era pintor famoso, chegara à igreja da Redentora.

Ele respirou fundo e pegou com a mão esquerda o rosário sob o pequeno altar montado na sacristia, num movimento automático levantou a batina e ajoelhou-se em frente à imagem. Ficou ainda alguns instantes ajoelhado, mesmo após a oração, lembrando da fisionomia serena e do sorriso fácil (e risada difícil) do caboclo tímido chegando-se a ele após um sermão:
"A benção Padre"
"Deus te abençõe meu filho"
"Padre, gostei muito do sermão, mas tem uma coisa qui num sai da cabeça" - ele puxava o "r" como era o típico da região
"Diga meu filho"
"Sempre quando o siôr fala de Jesus e conta as história, é tudo tão bunito, que não dá pra intendê porque os santo aqui da igreja tão sofreno tanto."

Ao se levantar do pequeno altar o padre sorriu enquanto fazia o sinal da cruz e lembrava que concordou com Zé Antônio. Lembrou também que, continuando a prosa, marcaram um outro encontro para falar de arte sacra e conhecer os quadros que ele já começava a pintar.

"Esse caboclo é mesmo fantástico" pensou o padre ao levantar do geno-flexório, da mesma forma como já pensara naquele primeiro encontro.

O padre cruzou a porta da sacristia e seguiu o curto corredor que a ligava ao altar. A igreja estava realmente cheia.

"Bom dia irmãos, estamos aqui para celebrar um dia glorioso na vida de Jesus", iniciou o padre com um leve sotaque que insistia em não ir embora, mesmo depois de tantos anos da vinda de Francisco Janssen da Holanda para o Brasil. As pessoas sorriam carinhosamente na platéia.

O sermão foi especialmente iluminado, em parte pela felicidade que Padre Chico sentia, mas principalmente pelo grupo de crianças que percorriam a nave da igreja, ramo de palmeira em mãos, inventando sua própria via sacra.

***************
Conheça mais sobre o artista e arte naïf: José Antônio da Silva

1 comment:

  1. Anonymous10:43 PM

    Este caboclo prova que a genialidade está na simplicidade, e é um dom...A tecnica pode ser desenvolvida , treinada; no entando a arte, só nasce de uma mente que tem um olhar muito primariamente desenvolvido, quem sabe em seus genes...Uma mente que nasce com o dom de enxergar além e de expressar isso claramente para aqueles que não consiguiram vizualizar este horizonte sozinhos...Perspicácia e fluidez, disso é feito um artista!
    "a simplicidade é último grau de sofisticação"

    ReplyDelete