Friday, November 17, 2006

Não, não tem nada não

Ontem à 1 da manhã, começo a frase:
-Olá boa noite, o Diógenes, que morava aqui...
O porteiro com os olhos arregalados:
-Ele não mora mais aqui
-Sim, eu sei, ele me pediu que passasse aqui para pegar a correspondência
-Ele não mora mais aqui
-Eu sei, mas ele disse que vocês guardariam a correspondência
-Ah! deixa eu ver!
Pega uns envelopes do lado e olha com muita dificuldade um a um, procurando um nome estranho
-Você tem que ligar aqui durante o dia pro seu Carlos (acho que era esse o nome). Se tiver, tá com ele.

Fico em silêncio a olhar para o figura, e o cara, incomodadado com meu silêncio:
-Deixa eu ver nessas gavetas
Abre a segunda, revira a gaveta, a terceira, a quarta, a segunda de novo.
-É, não tem nada não, vc pode perguntar amanhã.

Penso que se não tem nada, para que perguntar no outro dia, mas tudo bem. Vou dormir.

Hoje, 8h20 da manhã, o outro porteiro:
-Bom dia
-Bom dia, o Diógenes disse que vcs guardariam as correspondencias e pediu que eu passasse aqui.
-Diógenes?
-É, ele morava no 803.
-Deixa eu ver
Revira os mesmos papéis em cima do balcão, abre a mesma segunda gaveta, revira, abre a terceira, a quarta, a segunda de novo.
-Não, não tem nada não

E por algum motivo da natureza, foi meu amigo sair do apartamento, e todo o planeta terra, inclusive as empresas de mala direta deixaram de tentar o convencer a assinar seus jornais, ou a pagar suas contas.

Ai, ai (*Suspiro*), vou ligar para o tal Carlos.

Friday, November 03, 2006

Machuca e a Omissão


Não sei se eu levei a coisa muito para o pessoal, mas o fato é que Machuca é um daqueles filmes que te faz pensar por muito tempo. Foi assim da primeira vez que o vi, na mostra de 2004, foi assim desta última vez.

O filme conta a história de um menino rico que estuda num colégio para ricos. Numa iniciativa do diretor da escola, um padre com idéias pouco ortodoxas, métodos rígidos e idéias libertárias, meninos moradores da favela se tornam colegas e passam a ter que dividir o mesmo espaço.

Seria apenas um filme sobre relações humanas se o pano de fundo para a história destes meninos não fosse a ascenção do comunista Salvador Allende, e o consequente golpe militar de Pinochet.

O roteiro do filme é muito bom, e é fácil reconhecer posturas políticas presentes em nosso dia-a-dia latinoamericano. É facil ver "crianças matando crianças inimigas" com suas posturas arrogantes reproduzindo a fala e pensamento de seus pais. É fácil ver o egoismo nazista das socialites que posam de humanistas. "Porque misturar maçãs e peras? Não somos melhores ou piores, somos diferentes, e não há porque se misturar coisas diferentes". Ou o comunista de linha escocesa, "Vamos para a Itália, o comunismo é o melhor para o Chile, mas não é o melhor para nós." O filme é tocante, independente de se você o vê com olhos políticos ou com olhos de novela das oito.

Mas no meu caso ele dói mais. O menino bem nascido que acaba por rejeitar sua classe, que não concorda com o que tem e simpatiza com o não ter.

É enchergar que a gente miúda só quer viver e ter uma chance de não ser culpada do que não é. É um filme que lembra que se omitir a escolher um lado é seguir a corrente e escolher o lado que te escolheu.

Escolhas são difíceis e exigem coragem. O camaleão é um réptil verde.