Wednesday, August 23, 2006

Manifesto anti-lugar-comum

Segundo a Wikipédia, o clichê, ou o lugar-comum é "uma expressão idiomática que de tão utilizada e repetida, desgastou-se e perdeu o sentido ou se tornou algo que gera uma reação ruim em vez de dar o efeito esperado" (veja aqui)

Não sei se acontece com todo mundo, mas a mim realmente irrita bastante quando as pessoas assumem ar de sábios, estufam o peito e saem proferindo aquelas frases feitas, ou aquelas lendas-recebidas-por-e-mail-com-moral-da-estória. Seilá se é preconceito a Paulos Coelhos e auto-ajudas, mas a verdade é que eu não consigo disfarçar quando começam a contar a estória das estrelas-do-mar, do "para esta eu fiz a diferença" ou então soltam um "siga os sinais da vida", presente em algum(ns) Alquimista(s) por aí.

É claro que a primeira vez que ouvi a estorinha das estrelas, achei bonitinha, achei que tinha a ver, e que no final das contas a tolerância e solidariedade são relações um pra um e que salvar uma vida é sempre melhor que a passividade típica. Mas depois das 30a. vez que alguém vem com essa estorinha, ou coloca como moral-da-estória em alguma apresentação de RH, chego a ter ânsias.

E foi exatamente isto que aconteceu ao assistir o último filme do Bruce Willis, 16 Quadras. Alguém poderia argumentar que o Bruce Willis é o clichê personificado, mas temos que lembrar que o homem esteve no Pulp-Fiction..

É claro que pela própria característica do filme hollywoodiano feito para as massas, é muito difícil estar totalmetne isento de clichês, mas final de contas, o que é que este filme me acrescentou? O Bruce Willis com aquela barriguinha de travesseiro ridícula não conseguindo convencer ninguém? Ou será que foram os "sinais da vida" (olha eles aí de novo) ? A piadinha recorrente que é respondida no final? Ou será que é aquele personagem suuuper original do bandido-negro-que-fala-sem-parar? Faltou só a bomba desarmada no último segundo. Chamem-me de ranzinza se quiserem, mas deu vontade de processar o estúdio por estelionato.

Muito mais interessantes são as sacanagens com frases-lugares-comum, como a do meu amigo xineis que sempre solta "um dia é da caça, o outro da pesca" no momento apropriado, ou a frase do Teatro Mágico "Os opostos se distraem, os dispostos se atraem" (que já está quase virando lugar-comum).

Então aí vão algumas dicas de como fugir no dia-a-dia dos clichês e lugares-comuns:
1. Nunca reconte estorinhas-com-moral se vc as recebeu por e-mail
2. Nunca encaminhe os tais e-mails
3. Sacaneie estorinhas e ditados populares sempre que possível.
4. Estrague o final de qualquer estorinha-clichê contando o final antes da pessoa criar o clima
5. Evite filmes com o Bruce Willis, Julia Roberts, e afins; no caso dos nacionais, fuja dos globais
6. Auto-ajude-se e evite ler qualquer coisa de auto-ajuda.


PS. Será que criticar lugares-comuns e auto-ajuda é um lugar-comum?

Friday, August 18, 2006

Início para um conto

Lembrei de um texto que tinha escrito há bastante tempo. Chamei-o na época de "inicio para um conto", porque realmente eram só dois parágrafos. Decidi retomá-lo hoje, mas mantive o título :)


Já tinham se visto um ao outro, mas por um desses mistérios do comportamento humano, não se saudaram e, como se nenhum dos dois quisesse deixar o outro sem graça por não ter sido saudado, ocupavam-se ambos em tarefas inúteis, mas que tomassem algum tempo para que mais tarde, talvez mais casualmente, voltassem a cruzar os olhares, para então, fingindo supresa, oferecerem um curto sorriso ou um levantar de sombrancelhas, como são de costume os cumprimentos nas grandes cidades.

Ela sacou uma maçã da bolsa e, depois de uma mordida e um olhar aparentemente despreocupado pela a janela do ônibus, olhou em sua direção, inclinou levemente a cabeça e sorriu, enquanto ele fazia uma leve cortesia com a mão direita. Não havia motivo para que ele se sentasse a seu lado, nem para que conversassem, eles mal se conheciam. Ele apenas a conhecera quando, no dia anterior, saudou um amigo que a acompanhava. Sentou-se então um tanto longe, pensando no que fazer, enquanto arrumava a bolsa que trazia.

Ela não era exatamente bonita, seu nariz demasiado pontiagudo lhe dava um certo ar inteligente mas os lábios carnudos deixavam escapar alguma sensualidade de dentro dos longos trajes de meio outono.

Terminando de arrumar a bolsa, sentiu um frio na barriga, e o instinto era continuar ali onde estava e esperar uma situação mais apropriada, mas ele se levantou. Levantou-se e, apoiando-se nas barras do transporte, caminhou até ela, que, vendo aproximar-se seu conhecido, viu-se obrigada a virar-se e facilitar-lhe a passagem para que se sentasse a seu lado.

Foi uma sequência de movimentos comuns, notou que ele vinha, olhou-o surpresa, deixou escapar um leve sorriso, juntou as pernas e as levou para o corredor para que ele passase para o banco à sua direita. Ele passou sentou-se e assim ficaram bem próximos, mas ainda tentando superar a incrível distância que o desconhecimento produzia.

Mas como a velocidade de se superar distâncias é enorme quando há a vontade, e, como os físicos nos ensinaram, maior ainda é esta velocidade se dois corpos se movem na mesma direção no sentido adequado, acabaram por se despedir com um beijo no rosto quando ela teve de descer.

Alguém que visse todo o decorrer dessa cena possívelmente não teria a atenção tão presa quanto nós aqui temos, mas a aura que se viu ao redor de Marco Antônio e o interminável, apesar de sutil, sorriso que ficou em seus lábios, esses sim contagiaram a todos os que presenciaram a cena e eram sensíveis o suficiente.


imagem: Abstract Couple, de Frederico Cheque Nolha

Friday, August 11, 2006

Trintênio

Sempre considerei minha vida pacata, até um tanto careta. Nunca fui dado a loucuras, a não ser aquelas muito bem calculadas, o que por si só tira do ato o caráter de loucura. Por outro lado, sempre tive aquela inquietação interna, aquela chama, se preferir, que me faz buscar sair da mesmisse, que me faz buscar coisas novas, que me faz lutar pela mudança.

Não posso dizer que tenha sido responsável por grandes mudanças no mundo. Nunca liderei uma revolução (a não ser aquela vez no show de blues que invadimos o gargarejo à frente do pessoal do uísque e tábua de frios..), nunca me lancei em missões humanitárias (mas passei perto, quando eu e meu irmão íamos fazer uma campanha para expulsar o McDonald's de Ubatuba), e só fui à Africa num esquema meio turista de Safari.

A verdade é que chego aos Trinta sentindo-me orgulhoso e ansioso. Orgulhoso por tudo que amadureci, por tudo que acredito, por tudo que não acredito, por tudo que amo e tudo que não tolero, sinto-me feliz de ser quem sou e de cultivar os amigos e familia que tenho (e quanto orgulho tenho dos frutos que eles dão!). Sinto-me feliz por ter experimentado e encontrado meus limites.

Mas chegar aos trinta é saber que ainda há muito a ser feito, revoluções e se engajar, mudança e diferença no mundo a fazer.

O processo de se aproximar do trintênio é difícil, doloroso. É um período de muita incerteza, onde vc tem as vezes a sensação de que o caminho que se seguiu até agora está errado (e muitas vezes em muitos aspectos está mesmo..). É um período de algumas reviravoltas, relacionamentos que terminam, projetos abandonados, pessoas abandonadas. Mas, como aquela piada do louco que se martelava na cabeça, "quando acaba é tão bom!!!".

Então é isso aí, este é um post feliz, é um post para dizer que os 30 chegaram e as forças estão renovadas, o mundo que se prepare!

Thursday, August 03, 2006

Confianzas

se sienta a la mesa y escribe
«con este poema no tomarás el poder» dice
«con estos versos no harás la Revolución» dice
«ni con miles de versos harás la Revolución» dice

y más: esos versos no han de servirle para
que peones maestros hacheros vivan mejor
coman mejor o él mismo coma viva mejor
ni para enamorar a una le servirán

no ganará plata con ellos
no entrará al cine gratis con ellos
no le darán ropa por ellos
no conseguirá tabaco o vino por ellos

ni papagayos ni bufandas ni barcos
ni toros ni paraguas conseguirá por ellos
si por ellos fuera a la lluvia lo mojará
no alcanzará perdón o gracia por ellos

«con este poema no tomarás el poder» dice
«con estos versos no harás la Revolución» dice
«ni con miles de versos harás la Revolución» dice
se sienta a la mesa y escribe

--Poema de Juan Gelman musicado por Gotán Project


Comecei a escrever por desconfiança em psicólogos e pela difícil convivência comigo mesmo.

Poucas pessoas conseguem ficar tempo suficiente a sós para terem o tempo necessário para se conhecer. Aqueles que o fazem, normalmente pouco conscientes da importância deste processo, escapam dele através de pequenas loucuras cotidianas, nem sempre perceptíveis a olho nú.

Há aqueles que adotem bichos de estimação ou plantas, há também os que cultivem hábitos estranhos como assistir novela ou ler Paulo Coelho, já outros falam sozinhos ou tomam anti-depressivos. No meu caso, eu escrevo.

Já cri que livros e idéias derrubassem mais governos que armas, já cri em revoluções, já escrevi cartas de amor (ridículas). Hoje não creio em mais nada disso, hoje não escrevo por utilidade, escrevo porque é (im)preciso.