Sunday, April 15, 2007

Schönheitsfehler**

Uma piscina dividida em duas partes. Uma grande parte de lazer e duas raias ao fundo, onde treinam alguns nadadores.

Uma criança mergulha em minha frente e eu continuo a olhar para a piscina, enquanto crio coragem para entrar na água. Não é questão de medo, nunca tive medo de água fria. Ao contrário, sempre preferi mergulhar de uma só vez, e sentir as infinitas agulhas espetando o corpo, olhos fechados e a cabeça ditando a direção.

Na borda oposta uma garota nova, muito jovem, bonita, pele branca cabelos castanhos pelos ombros se prepara para entrar nas raias de treino. Ela não seria especialmente atraente, não tem um corpo especialmente chamativo, mas tem uma delicadeza, um olhar inteligente e um sorriso de quem sabe mais do que demonstra que me atrai mais do que o orgulho de estar com uma mulher desejada.

Olho bem para ela, nós já nos conhecemos de algum lugar, ainda que nunca tenhamos trocado uma só palavra. Teríamos trocado olhares outra vez? Parece que sim, e agora a cena se repete. Ela me dá um sorriso e algo me chama a atenção, seus dentes frontais são um pouco separados. Isto não dá a ela um mau aspecto, ao contrário a torna mais atraente, talvez por ser única, talvez por ser individual, por lhe dar mais personalidade.

O dia é lindo e curto um pouco mais no sol sem ter que tomar decisão nenhuma, e assim continuamos o tempo todo, sem nunca conversarmos, sem ela nunca ficar pronta e iniciar o treino, sem eu nunca entrar na piscina.

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*Schönheitsfehler - em alemão fehler=falha, schönheit=beleza. Schönheitsfehler seria a "Falha de beleza" ou uma pequena falha que chama a atenção.

1 comment:

  1. Anonymous7:38 PM

    Não pude resistir em escrever, não algo meu, pois não teria tamanha capacidade poética, mas de Clarice Lispector ( que nos espera no Museu da Lingua Portuguesa)...
    "Ela observava: mesmo bem acabados, eles eram toscos como se pudessem ainda ser trabalhados. Mas vagamente, ela pensava que nem ela nem ninguém poderia tentar aperfeiçoá-los sem destruir sua linha de nascimento . Era como se eles só pudessem se aperfeiçoar por si mesmos, se isso fosse possível."...
    "Sim ela às vezes possuía um gosto dentro do corpo, um gosto alto e angustiante que tremia entre a força e o cansaço — era um pensamento como sons ouvidos, uma flor no coração: Antes que ele se dissolvesse, maciamente rápido, no seu ar interior, para sempre fugitivo, ela tocava com os dedos num objeto, entregando-o. E, quando queria dizer algo que vinha fino, obscuro e liso — e isso poderia ser perigoso — ela encostava um dedo apenas, um dedo pálido, polido e transparente, um dedo trêmulo de direção. No mais agudo e doído do seu sentimento ela pensava: Sou feliz. Na verdade, ela o era nesse instante, e se em vez de pensar: Sou feliz, procurava o futuro, era porque, obscuramente, escolhia um movimento para a frente que servisse de forma à sua sensação."

    Pena eu não ser poetiza como Clarice, se o fosse, conseguiria me expressar tão perfeitamente quanto ela. Mas sou somente observadora e leitora, então empresto suas palavras para dizer o que não consigo dizer sozinha...

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