Friday, August 18, 2006

Início para um conto

Lembrei de um texto que tinha escrito há bastante tempo. Chamei-o na época de "inicio para um conto", porque realmente eram só dois parágrafos. Decidi retomá-lo hoje, mas mantive o título :)


Já tinham se visto um ao outro, mas por um desses mistérios do comportamento humano, não se saudaram e, como se nenhum dos dois quisesse deixar o outro sem graça por não ter sido saudado, ocupavam-se ambos em tarefas inúteis, mas que tomassem algum tempo para que mais tarde, talvez mais casualmente, voltassem a cruzar os olhares, para então, fingindo supresa, oferecerem um curto sorriso ou um levantar de sombrancelhas, como são de costume os cumprimentos nas grandes cidades.

Ela sacou uma maçã da bolsa e, depois de uma mordida e um olhar aparentemente despreocupado pela a janela do ônibus, olhou em sua direção, inclinou levemente a cabeça e sorriu, enquanto ele fazia uma leve cortesia com a mão direita. Não havia motivo para que ele se sentasse a seu lado, nem para que conversassem, eles mal se conheciam. Ele apenas a conhecera quando, no dia anterior, saudou um amigo que a acompanhava. Sentou-se então um tanto longe, pensando no que fazer, enquanto arrumava a bolsa que trazia.

Ela não era exatamente bonita, seu nariz demasiado pontiagudo lhe dava um certo ar inteligente mas os lábios carnudos deixavam escapar alguma sensualidade de dentro dos longos trajes de meio outono.

Terminando de arrumar a bolsa, sentiu um frio na barriga, e o instinto era continuar ali onde estava e esperar uma situação mais apropriada, mas ele se levantou. Levantou-se e, apoiando-se nas barras do transporte, caminhou até ela, que, vendo aproximar-se seu conhecido, viu-se obrigada a virar-se e facilitar-lhe a passagem para que se sentasse a seu lado.

Foi uma sequência de movimentos comuns, notou que ele vinha, olhou-o surpresa, deixou escapar um leve sorriso, juntou as pernas e as levou para o corredor para que ele passase para o banco à sua direita. Ele passou sentou-se e assim ficaram bem próximos, mas ainda tentando superar a incrível distância que o desconhecimento produzia.

Mas como a velocidade de se superar distâncias é enorme quando há a vontade, e, como os físicos nos ensinaram, maior ainda é esta velocidade se dois corpos se movem na mesma direção no sentido adequado, acabaram por se despedir com um beijo no rosto quando ela teve de descer.

Alguém que visse todo o decorrer dessa cena possívelmente não teria a atenção tão presa quanto nós aqui temos, mas a aura que se viu ao redor de Marco Antônio e o interminável, apesar de sutil, sorriso que ficou em seus lábios, esses sim contagiaram a todos os que presenciaram a cena e eram sensíveis o suficiente.


imagem: Abstract Couple, de Frederico Cheque Nolha

2 comments:

  1. uau!um conto?
    aliás,já existem dois!
    (a parte da maça foi a que mais gostei).

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  2. a vontade de superar distâncias implica na enorme velocidade?

    para o parágrafo que cita a física,prefiro a colisão.

    (gosto deste conto,por isso voltei).

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