Wednesday, July 16, 2008

Filme 2/52: La Hora de los hornos: Notas y testimonios sobre el neocolonialismo, la violencia y la liberación

La Hora de los hornos: Notas y testimonios sobre el neocolonialismo, la violencia y la liberación
Documentário, Argentina (1968)
D: Fernando E. Solanas e Octavio Getino
F: Juan Carlos Desanzo e Fernando E. Solanas
http://www.imdb.com/title/tt0063084/

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Se assistir a "La Hora..." com suas quase 4 horas e meia já seria por si só um ato heróico, que se dirá de tê-lo assistido sem intervalos, com a cópia ruim e legendas todas erradas como foi no Festival Latino de São Paulo.

Mas independente destas condições desfavoráveis, o fato é que o filme é qualquer coisa genial, desde que se entenda a que ele se propõe. Não se trata de um cinema consumível, não se trata de entretenimento. Fernando Solanas e os participantes do "Tercer Cine" não estavam interessados em serem exibidos em festivais de arte por aí a fora, muito menos vir parar num Arteplex no século 21.

O Tercer Cine quer a Revolução, foi um movimento que propunha um terceiro cinema para o terceiro mundo. Desprezava a cultura como consumo de hollywood, mas também percebia que havia qualquer coisa de errada e individualista demais com o cinema de autor europeu. Para Solanas e seus companheiros, a América Latina tem que se descolonizar, e ele, em seu papel de cineasta tem a obrigação de inventar este cinema. "O inventamos, o erramos" é a citação de Simón Rodrigues em "Argentina Latente", outro filme de Solanas na mostra. E ele inventa muito.

Solanas sabe que todo ato artístico é um ato político e não lhe resta opçãoa não ser inventar um cinema libertário e descolonizante. Mas não espere um filme somente áspero, há muitos momentos de pura beleza estética. A primeira cena é um exemplo. O recorte de cenas da polícia com manifestantes, intercaladas com planos pretos e a trilha sonora de uma percussão crescente são absolutamente fantásticos. Os cortes são feitos um milésimo de segundo antes de estarem completas as cenas, e você se sente sendo sugado para a tela a cada segundo. Muito esperto. Funciona perfeitamente para iniciar o filme com a platéia a flor da pele e dar o tom da linguagem.

Nesta linha, ele experimenta, se arrisca, erra as vezes, mas acerta muito. Para começar nos riscos que ele aceitou, o filme tem quatro horas e meia. Está dividido em três partes e se propõe a ser mais que uma obra de arte, mais que um cinema de denúncia. O filme faz um balanço da atuação da esquerda latino-americana, seus erros e acertos. Ele sabe quem é o público e não perde o foco: "La Hora.." é para trabalhadores, intelectuais, estudantes e militantes em geral engajados nos movimentos sociais que lutam, de uma forma ou outra pela liberação latino-americana pela causa socialista.

O povo, os trabalhadores, os oprimidos são os atores principais, humanizados por planos fechados e longos, expressões sérias olhando diretamente para a câmera. Fotos do Sebastião Salgado em movimento. Nota-se muita semelhança com o contemporâneo e primo próximo Cinema Novo, movimentos de câmera ousados para a época, a parcialidade consciente. Falando em Cinema Novo, um filme de Leon Hirszman (Maioria Absoluta, 1964) é citado com algumas cenas e é chocante notar como a miséria latino-americana é uniforme. A primeira parte do documentário, "Neocolonialismo y violencia" termina com o rosto morto de Che Guevara capturado na Bolívia te olhand por alguns minutos. Estático, sem som. É impressionante como Che parece vivo nesta cena-fotografia. O público fica minutos olhando cada detalhe de seu rosto, o brilho em seus olhos, o leve e misterioso sorriso como que zombando de seus algozes.

Mas para Solanas a denúncia não basta, afinal, está-se inventando um terceiro cinema, descolonizante, e não basta mostrar que há um problema, trata-se de exigir a ação das pessoas, a arte tem que mobilizar. E assim, no melhor estilo brechtiano, o espectador é tirado de sua passividade. Por diversas vezes o filme simplesmente para e um letreiro "ESPAÇO ABERTO PARA A DISCUSSÃO" te faz arregalar os olhos e pensar o que você proporia se as luzes fossem acesas. E elas deveriam ter sido acesas.

A maior parte do documentário são imagens de arquivo e imagens feitas da população, normalmente sem som algum, com o discurso incisivo de Solanas em off. Há também muitos depoimentos, e é notável como ele consegue equilibrar bem todos estes elementos, isto com os poucos momentos que há trilha sonora e planos pretos.

Não se trata de um filme, trata-se de material para reflexão e planejamento da esquerda de 68, pós-Peron. Trata-se de não dar respostas mas de fazer perguntas e exigir que o diálogo com o espectador seja explícito. Trata-se de reconhecer acertos, analisar erros, entender como se movimenta o inimigo (a burguesia e a oligarquia) e principalmente de chamar a responsabilidade à luta.

A cópia do festival era bem escura e maltratada, o que não permite saber onde estão as falhas de fotografia, onde estão problemas com a cópia. De maneira geral o filme acerta. Certamente há depoimentos, diálogos, cenas demais para se passar a mensagem, ainda mais para uma obra que se propõe a ser um diálogo. Independente disto, várias das idéias de Solanas são interessantíssimas e, surpreendentemente para um filme politizado de 68, frescas e até hoje inovadoras.

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